Quadrinhos

A promessa de Estranhos no Paraíso pela Devir!

Editora Devir, após obter a licença da publicação de Estranhos no Paraíso, a obra prima de Terry Moore no Brasil, promete publicar toda a série em encadernados de luxo.

Estranhos no Paraíso é, em todos os sentidos, uma novela. Quem coleciona gibis no Brasil bem sabe que algumas séries parecem sofrer de algum tipo de maldição por aqui: entra ano, sai ano, vem editora, vai editora, sempre rola aquela promessa marota e…bingo, elas acabam sempre interrompidas antes de chegarem ao final. Foi assim, por exemplo, com Preacher, que sofreu durante anos até que, finalmente, a Panini botasse na rua as 66 edições originais da série, divididas em nove encadernados. Outra que muita gente ainda espera ver o fim, em português, é Bone, de Jeff Smith — segundo consta, a editora Todavia vai cumprir o serviço com três edições coloridas, a partir de novembro.

Só que tem mais uma, a queridinha dos gibis independentes, aquela que, por sinal, completa 25 anos agora em 2018: Estranhos no Paraíso. A obra do cartunista americano Terry Moore já teve nada menos do que QUATRO tentativas de publicação por aqui, começando pela Abril em 1998 e aí passando por Via Lettera (entre 1999 e 2000), Pandora Books (entre 2002 e 2003) e HQM (de 2006 a 2013). Nenhuma delas chegou, de fato, a colocar nas bancas e lojas especializadas a coleção completa da HQ, cujos 107 números duraram de 1993 a 2007.

A maldição terá fim?!

Mas parece que a maldição vai chegar ao fim. Ou, pelo menos, é o que a Devir promete. A editora vai lançar seis encadernados de luxo com todas as histórias do triângulo amoroso criado por Moore, uma delicada e agridoce mistura de drama e comédia, começando já a partir deste mês. O volume 1, no formato 17 x 26 cm, 360 páginas e em capa dura, será oficialmente lançado no próximo dia 25 de Julho. A única coisa dolorida, bom, é o preço: R$ 105,00. Uma pequena facada, eu diria.

Lá no começo dos anos 90, a ideia de Moore era fazer uma coisa no formato de tira de jornal, como seu ídolo, Charles M. Schulz, criador dos Peanuts. Mas logo o artista perceberia que este lance de ter que cravar uma piadinha por dia não era pra ele e levaria alguns dos personagens da tira que começara a desenhar pra uma trama completa, que ele mesmo definiria como sendo “a história de duas garotas e um cara que acaba conhecendo elas”. Mais mundano, impossível, certo? Errado. Porque, apesar dos personagens parecerem absolutamente verdadeiros, como eu, você e qualquer um dos seus vizinhos, é nas pequenas pílulas de absurdo que tudo se torna ainda mais real, moderno e contemporâneo.

A história começa com Katina Choovanski, que atende pelo apelido de Katchoo, uma jovem esperta, independente e cheia de personalidade, vivendo uma vida calma e pacífica como sempre quis. Ah, sim, e ela também é apaixonada por sua melhor amiga, Francine, docemente desastrada, que vive lutando contra o peso e também encarando um sério problema de autoimagem. Mas depois que seu relacionamento com o escroto Freddie Femur vai por água abaixo, já que ela descobre sua traição, surge tanto na vida de Francine quanto de Katchoo um gentil e sensível estudante de arte de nome David. E aí a coisa toda se complica de vez, já que Katchoo gosta da Francine; o David também começa a gostar da Francine. A Francine, olha, tá tentada a gostar do David porque sua criação metodista e aqueles planos cartesianos de ser mãe/esposa ainda rondam sua cabeça — só que ela não consegue negar que tem alguma coisa pela Katchoo ali. Maaaaas… e quando a própria Katchoo começa a perceber que o David também mexe com ela? Vish!

Coloque nesta mistura a instrutora de aeróbica Casey Bullock, que se casou com Freddie depois que ele se separou da Francine, e o charmoso ginecologista Brad Silver, e pronto, a confusão tá formada. Mas esta comédia de erros amorosos, com suas pequenas tragédias típicas da vida real, acaba se alternando com uma história que é praticamente um thriller de ação.

Porque, surpreendentemente, o passado ressurge na forma de uma ex-empregadora da Katchoo, buscando por ela e por polpudos US$ 850.000 vindos da máfia. Ou, no caso, de uma organização formada apenas por mulheres altamente treinadas que trabalha nas sombras para um cartel internacional com influência pesada na política. E a líder deste time de mulheres fodonas está intimamente ligada a um outro importante personagem da história, que também esconde um monte de esqueletos no armário e não é exatamente quem diz que é…

Estranhos no Paraíso começou em 1993 como uma minissérie em três partes publicada pela pequena editora Antarctic Press (hoje especializada em mangãs produzidos por americanos), cujo foco era nos três protagonistas e no namorado infiel da Francine. Logo depois, Moore montou seu próprio selo, a Abstract Studio, começando o que chamou de “volume 2” da história, introduzindo ao mesmo tempo toda esta parte da trama relacionada a crimes e afins. Quando o volume 3 se iniciaria, a série passaria então a ser publicada pelo selo Homage, da Image Comics, mas a relação duraria apenas OITO números, retornando então pra Abstract mas mantendo a mesma numeração. A história seria finalmente concluída no número 90, lançado em Junho de 2007.

Em 2018, pra celebrar os 25 anos de Estranhos no Paraíso, Moore quebrou o silêncio de seus personagens favoritos e lançou a minissérie Strangers in Paradise XXV, que retoma a história alguns anos depois de sua conclusão por uma boa razão: ela ainda não estava 100% completa. Pelo menos é o que explica Moore, em entrevista ao CBR: “Tem um assunto não resolvido com o qual se precisa lidar então eu, como criador, ainda não terminei de contar a história”.

O tal assunto envolve diretamente o passado de Katchoo. “Ela tem este passado horrível, lembra? (…) Uma das sobreviventes deste grupo de mulheres do qual ela fez parte está escrevendo um livro sobre a operação inteira. E se isso sair, vai destruir tudo que a Katchoo tem hoje. Então, a Katchoo quer impedi-la. Mas o problema é encontrá-la”. Além de uma homenagem ao trabalho que o tornou um nome reconhecido nos gibis indies, Strangers in Paradise XXV também é a integração máxima de outros gibis do autor, tipo EchoRachel Rising e Motor Girl, como parte de um único universo compartilhado.

Promessa para Hollywood também

Aproveitando a palavra-chave de Hollywood no momento, vale lembrar que Estranhos no Paraíso também deve ganhar sua versão para as telonas em breve. Segundo o próprio Moore, ele mesmo já tá escrevendo o roteiro, que tem até diretora escalada: Angela Robinson, do recente Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas, sobre o criador da heroína da DC Comics.

O criador e cartunista Terry Moore.

“Angela e eu nos conhecemos há anos e admiro imensamente sua visão criativa”, disse o quadrinista pro Deadline. “Desde o começo, nosso objetivo em comum tem sido levar Estranhos no Paraíso para os cinemas. É uma história complexa que levou anos para escrever e a Angela pegou cada nível dela. Mal posso esperar pra começar”. A cineasta confirma a vontade de fazer o trabalho, dizendo que quis fazer virar realidade desde a primeira vez que leu o gibi. “Terry Moore escreve personagens femininas reais com muita sensibilidade. Com Estranhos no Paraíso, ele faz algo que parecia impossível: uma história de crime sexy e cheia de estilo, mas com toneladas de coração. Mal posso esperar por nossa colaboração”.

Wagner Ávlis

Crítico de histórias em quadrinhos, membro da Academia Maceioense de Letras, articulista e professor de língua portuguesa.