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Série | O Voo de Diana – 2ª parte

Questões políticas e editoriais entrecortaram a Mulher-Maravilha até que a personagem se restabelecesse como ícone do poder feminino no auge do feminismo.

Apontamentos de Wagner

Nesse estágio do tratado a autora põe em xeque uma questão totalmente desprezada pelas antologias da DC, um assunto da mitologia da Mulher-Maravilha a que ela chama de “paradoxo Donna-Troy”.

Fala ainda da polêmica envolvendo a revista feminista Ms. Magazine nos anos 1970, estopim para a DC revitalizar a heroína, resultando no seriado com Lynda Carter e na popularidade brasileira com as publicações da editora EBAL; o retcon que deu o poder de voo e o crossover com o Homem-Animal.

 O Paradoxo – Donna Troy

 

Aqui vem um problema teórico que a DC, revistas, fãnzaços, euzinha, nem ninguém, conseguiu teorizar.

A 1ª Wondergirl (Moça-Maravilha), Donna Troy, sidekick da Mulher-Maravilha e integrante dos Novos Titãs, é a irmã (adotiva) da própria Mulher-Maravilha, Diana Prince. Portanto, filhas da rainha Hipólita. Beleza! Agora um paradoxo: se Donna e Diana são irmãs amazonas, oriundas de Themyscira, de mesma natureza divina e de mesma força (exceto em intensidade, já que Diana lhe é superior), então por que no Pré-Crise Donna Troy voa e Diana não?

Querem que eu complique mais? E se eu disser a vocês que a 1ª Wondergirl (Moça-Maravilha), ela mesma, a Donna Troy, é a própria Mulher-Maravilha, a Diana Prince, só que jovenzinha em seu passado? E aí gurizada?? A Diana Prince, quando jovem, voava, mas quando ficou adulta deixou de voar?

O arco “Contos Impossíveis”!

Sim, é isso mesmo! Robert Kanigher, nos idos de 1950, inspirado no Superboy de Smallville (o Superman Clark Kent) cria, pro título da Mulher-Maravilha, as histórias de Hipólita, Moça-Maravilha, Bebê Maravilha (a “família maravilha”). Para mostrar como era a Diana em diferentes épocas de sua história com sua mãe.

Um arco chamado Impossible Stories (“Contos Impossíveis”) mostra o que aconteceria se as quatro maravilhosas, Mulher-Maravilha adulta, Moça, Bebê e Rainha (a sua mãe), existissem no mesmo lugar e época.

A bagaça ocorre quando um novo escritor, Bob Haney, pega os personagens dos “Contos Impossíveis” e, de jeito equivocado, os interpreta como personagens completamente diferentes e separados. O que atrapalhou mais ainda foi um erro de transliteração: o nome “Diana”, que é de fato o invariável nome da Mulher-Maravilha adolescente (na condição de Wondergirl), foi sendo transliterado em vez de “Diana” para “Donna” (pela aquela mesma imperícia editorial de que falei no começo).

Haney comete erros na continuidade da história e faz com que a Mulher-Maravilha seja a sua própria amiga, na qualidade de Moça-Maravilha, como uma pessoa diferente, independente. Ele continua escrevendo sobre a Moça-Maravilha “Donna” na revista recém-fundada Teen Titans (“Turma Titã”).

Donna-Troy adulta no tempo dos Novos Titãs.

Por que Diana não voava quando adulta?

Os esclarecimentos da continuidade e de Donna Troy como uma personagem singular (que não é mais Diana Prince jovem) só foram feitos com Crise nas Infinitas Terras. Mas o paradoxo ficou: Diana Prince, quando jovem, voava, mas quando ficou adulta, deixou de voar! E, se por outro lado, Donna e Diana são irmãs amazonas de Themyscira, por que Donna Troy voava e Diana Prince não?

 Finalmente, o Voo

A matéria de cunho feminista e de escala internacional de Gloria Steinem na revista Ms. Magazine (jul./1972) trazia como matéria de capa a Mulher-Maravilha (“Wonder Woman Revisited”). Criticando as mudanças promovidas na heroína após 25 edições (como disse, no fim dos anos 1960, Diana Prince perdeu seus dotes divinos e virou uma agente secreta), rotulando a DC Comics de machista e o editorial da Maravilhosa de retrógrado.

Com a polêmica e as atenções do mundo em torno da heroína, a DC viu aí a oportunidade de virar o jogo, dando um up nas vendas; rapidamente restauraram a Mulher-Maravilha em seu traje e poderes clássicos, e a Wonder tradicional voltava a ser publicada, dessa vez editada por uma mulher, Dorothy Woolfalk.

Foi esse up artístico-editorial da década de 1970 que deu a habilidade de voo à princesa guerreira. Isto é, a Mulher-Maravilha foi potencializada em seu caráter feminista e divinal, passando a voar.

Em 1968, Denny O’neil e Mike Sekowsky traziam a “Nova Mulher Maravilha”. Diana Prince perdia seus poderes ascendido dos deuses. Ela abandonava seu uniforme, abria uma boutique e passava a viver no “Mundo dos homens” como uma mera mortal.

A descoberta do voo

Pra justificar essa nova habilidade do voo, o roteirista Jack C. Harris usou de retcon, explicando que só nessa época foi que Diana Prince “descobriu” essa capacidade de voar. Aperfeiçoando ela aos poucos a partir da autoplanagem e do deslocamento suspenso em correntes de ar.

Todavia, o recurso do voo não se fixou como regra editorial, e por isso volta e meia os artistas ora o utilizavam, ora o ignoravam, tornando algo irregular. Foi nessa época que a fama da amazona clássica alcançou o estrelato no seriado com Lynda Carter.

No Brasil, as editoras Orbis e EBAL publicaram. Embora a última já publicasse a versão agente secreta dos findos anos 60, com – pasmem! – 4 anos de atraso.

Várias capas originais estadunidenses de Wonder Woman vol.#1, 230-276 (que a EBAL reproduzia fiel por aqui) passaram a mostrar a Mulher-Maravilha voando por si mesma, sem o auxílio do jato invisível. A EBAL, ao se atualizar, acompanhou e publicou no Brasil, toda essa revitalização da Mulher-Maravilha de 1977-1983, até a ed. Abril adquirir os direitos de publicação.

✩ Um Crossover “Animal!”: Mulher-Maravilha & Homem-Animal

Apesar de nessa época (1980) ela já voar conforme o retcon de Jack C. Harris, nessa edição, o roteirista Gerry Conway, por motivo desconhecido, não faz a personagem voar e lança mão do deslocamento suspenso.

Esse encontro foi publicado aqui em duas edições pela EBAL em 1981 no título mensal de Mulher-Maravilha #39-40; republicado pela Abril em 1984 no título Heróis em Ação #34-35 (nos EUA: Wonder Woman #267-268, de 1980). Ali foi revelada uma nova habilidade integrante dessa revitalização da themyscirana: a telepatia animalesca dada pela deusa Ártemis. Diana podia dispor de qualquer animal pela mente, uma habilidade semelhante à do Homem-Animal.

De minhas leituras, que eu saiba, Buddy Baker e Diana Prince se encontraram só essa vez. Em 1990 (no pós-Crise), a linha DC 2000 (ed. Abril) reunia histórias desses dois personagens na mesma revista, contudo, sem crossover entre eles. Naquela década, Diana, pela reformulação após “Crise”, naturalmente já voava.

De cima para baixo, capas do crossover entre Mulher-Maravilha e Homem-Animal nos EUA e no Brasil. “Wonder Woman” 267-268 de (1980), “Mulher-Maravilha” 39-40 (1981, ed. EBAL), “Heróis em Ação” 34-35 (1984, ed. Abril Jovem), e o selo “DC 2000” (1990, ed. Abril Jovem).
 Continua na próxima edição (3ª parte).

Wagner Ávlis

Crítico de histórias em quadrinhos, membro da Academia Maceioense de Letras, articulista e professor de língua portuguesa.