Crítica | Doctor Who: Fase New Who – 15ª Temporada (2025)
Faz tempo que não aviso, mas talvez seja bom avisar: Spoilers a partir daqui
A 15ª temporada de Doctor Who marca um novo momento para a série britânica, com a continuidade da era Russell T Davies e a consolidação de Ncuti Gatwa como o 15º Doutor. Produzida pela BBC com distribuição internacional via Disney+, a série entrega uma das temporadas mais politizadas e corajosas da fase “New Who”.
Com episódios que exploram temas como abuso emocional, masculinismo tóxico, desinformação digital, racismo e guerras culturais, a temporada não foge do embate com o conservadorismo contemporâneo, e por isso, talvez, tenha dividido tanto opiniões. A série nunca foi neutra, e essa nova leva de episódios deixa isso mais claro do que nunca.
A reinvenção do Doutor em meio às guerras culturais
Doctor Who sempre foi uma série historicamente progressista e que sempre foi atuante ao abordar as mudanças sociais do mundo ocidental, sempre tensionando os desafios morais do conservadorismo britânico, mas nunca havia cruzado três barreiras – As barreiras do gênero, da raça e da sexualidade do Doutor. Enquanto esses passos finalmente foram dados, o mundo, em oposição, se tornava mais conservador e a internet, um campo hostil.
A doutora de Jodie Whittaker foi recebida com resistência e a apresentação da primeira encarnação negra do personagem, com Jo Martin no papel, abriram as portas para a temporada mais diversa de todas. O encontro de David Tennant com o 15th Doutor, intepretado brilhantemente por Ncuti Gatwa trouxe como elemento salvador do universo a presença de uma personagem trans, sem contar a apresentação do conceito de bigeneração.
O recado era claro, Doctor Who ressurgia, mais político do que nunca e hoje, vendo o poder desta série em criar um universo inteiro baseado em aceitação e amor, é difícil entender como as pessoas ainda podem escolher inclinar-se para o ódio espalhado por pessoas como JK Rowling. Assim, nesta nova temporada, a resposta à guinada do mundo para o conservadorismo veio em forma de roteiro. O primeiro episódio, “A Revolução dos Robôs”, já deixa claro o tom da temporada: uma ficção científica sobre incels, controle coercitivo e relacionamentos abusivos. E a crítica é interna também: o Doutor, em certo momento, é acusado por Belinda (Varada Sethu) de ter invadido sua privacidade. “Você é perigoso, Doutor”, ela diz.
A série reconhece os erros do próprio protagonista, tornando-o mais humano (ou talvez mais “Time Lord” do que nunca.)
Episódios de destaque: tecnologia, trauma e geopolítica galáctica
“Lucky Day” traz de volta Ruby Sunday (Millie Gibson), agora lidando com traumas emocionais após sua jornada anterior. Em um arco surpreendente, ela se envolve com Conrad Ward, um podcaster obcecado por teorias da conspiração envolvendo a UNIT. A trama se torna uma reflexão sobre o poder da desinformação, o revisionismo e a negação da realidade em paralelos óbvios com o mundo real.
Já “O Festival Interestelar da Canção”, assinado por Juno Dawson, entrega um episódio que começa como paródia sci-fi do Eurovision e termina como alegoria sobre diplomacia, terrorismo e os horrores da guerra. Lançado em meio ao contexto da guerra entre Israel e Hamas, o episódio propõe uma mensagem poderosa: responsabilização e superação do ódio.
Final ousado e polêmico
O clímax da temporada se dá em “A Guerra da Realidade”, onde o Doutor e Belinda são forçados pelos vilões, indiretamente e como consequência de um plano maior, a gerar uma criança: a pequena Poppy. O arco propõe, nas entrelinhas, uma reflexão dolorosa: é possível amar o fruto de um ato traumático? A série não foge da questão, e quem paga o preço final é o próprio Doutor, ao se sacrificar para preservar a vida da criança.
Com um episódio final longo, todos os temas da temporada, bem como seu tema central são retomados e retratados, seja nos valores supremacistas de Rani (vilã revelada como surpresa da temporada) ou no fechamento da trama que envolvia Conrad, revelando-o como um homem frustrado com problemas em relação à suas figuras paternas, ou a presença de um “deus” apodrecido do subverso, tema recorrente de todo o arco.
Uma temporada corajosa, mas desigual
O episódio final ainda guarda surpresas. Em um gesto ousado, Billie Piper retorna à série, não como Rose Tyler, mas como a 16ª encarnação do Doutor, entrando para a história ao lado de Colin Baker e Peter Capaldi como intérpretes que viveram mais de um papel na franquia.
Apesar de todos os méritos temáticos, a temporada não é perfeita. O texto muitas vezes não acompanha a potência do ator Ncuti Gatwa, que entrega um Doutor carismático e intenso, mas subaproveitado em alguns momentos. O encerramento do arco de Belinda é eficaz, mas o do Doutor deixa a desejar em profundidade.
Ainda assim, Doctor Who se mantém como uma das obras mais relevantes da cultura pop britânica. E mesmo que a audiência tenha oscilado — com episódios assistidos por menos de 4 milhões de pessoas no Reino Unido —, o impacto da temporada é inegável.
No fim das contas, o 15º Doutor nos lembra: “Tudo que você tem como arma é o nosso cansaço, mas eu tenho energia de sobra”.
E que bom que ainda temos.
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