Crítica | Em nome de Deus, 2020
Antes tarde do que mais tarde, chega nossa recomendação para vocês
Em Dezembro de 2018, no programa “Conversa com Bial”, da Rede Globo, o médium autodenominado João de Deus foi acusado de crimes de abuso sexual. Apresentando diversos depoimentos de mulheres que foram em busca de tratamento espiritual na Casa Dom Inácio de Loyola, mas que encontraram assédio e violência praticadas por ele que lá mantinhas suas operações… Na ocasião, Apenas a coreógrafa Zahira Lienike Mous aceitou mostrar o rosto.
Cerca de um ano depois, João de Deus seria condenado pela justiça pelo crime de estupro!
Na longa tradição dos místicos e mediuns que compõem a tradição dos gurus ocidentais, não é uma surpresa que o abuso da fé através do charlatanismo se coadune com o crime e o assédio. Exemplos de comunidades fanatizadas sobre o controle de predadores sexuais não faltam. Também não faltam os elementos de medo e silêncio. O receio de possíveis “retaliações espirituais”, aliado a ameaças físicas e ligações políticas e com grupos criminosos contribuiu no passado e continua sendo, infelizmente, peça essencial hoje para que a maioria das mulheres permaneçam caladas. Mas não se pode negligenciar que a imposição social de culpa sobre as vítimas e o machismo da sociedade são elementos chaves na perpetuação destes crimes.
Desse modo, a exposição dos fatos e a fé pública de uma matéria jornalística do porte que se apresenta na série documental “Em nome de Deus”se mostra como uma verdadeira arma numa batalha que já remonta há séculos de obscurantismo. Não por menos, o formato escolhido para as falas das personagens reais evoque ao mesmo tempo acolhimento e igualdade. A roda fechada, em que as histórias são contadas à roteirista e narradora, Camila Appel, é um enorme acerto.
Popular entre artistas brasileiros e mesmo com membros de elites estrangeiras, a denúncia do religioso foi uma surpresa para muitos! A apresentadora Xuxa Meneghel foi uma das personalidades entrevistadas… Em dado momento, conta que buscou ajuda de João para cuidar da saúde de sua mãe. Logo depois, envergonhada declara: “A gente não pode ser grata a um monstro.” Alguns já esperavam que o castelo de cristal desmoronasse. O também entrevistado, Dr. Drauzio Varela, chama atenção para o fato que a tesoura que João de Deus usava em suas cirurgias é um truque conhecido de charlatães. O próprio Pedro Bial, em dado momento conta como ver as ditas “operações” do medium o deixava incomodado e como isso foi um dos incentivadores para que aprovasse a investigação da equipe.
Num país em que a comunicação é atacada diariamente e que é internacionalmente reconhecida como um ambiente hostil para o jornalismo investigativo, “Em nome de Deus” se mostra como um lugar seguro, que amplia a voz de quem antes estava silenciado, honrando a missão de informar, dialogando com a tradição documentarista nacional, emocionando e colocando mais um degrau em uma discussão que esperamos um dia ser capaz de trazer verdadeira justiça.
Documentário em série
Em Nome de Deus
Globo Play
2020
360 minutos