CRÍTICA | Marte Um (2022)
Uma crítica muito comum ao cinema brasileiro é que ele seria engajado demais. Volta e meia surje um pretenso crítico – em geral com pouco ou nenhuma formação em cinema – dizendo que o cinema nacional coloca a “ideologi” acima da arte.
No entanto, para cada crítico de meia tijela, temos também um grande filme que coloca essa narrativa no chão, como é o caso do recente “Marte Um”, produção da Filmes de Plástico dirigida por Gabriel Martins e que é o candidato escolhido no Brasil para tentar uma vaga na próxima edição do Oscar.
Na trama, acompanhamos uma família negra da periferia de Contagem, em Minas Gerais, na busca de seguir seus sonhos em um país que acaba de eleger como presidente um homem de extrema-direita, que representa o contrário de tudo que eles são.
A sinopse provocadora parece ser exatamente feita para incensar as críticas de um grupo de expectadores reacionários, que atacam a tudo que não viram nas redes sociais. Mas o filme, profundamente consciente de si e da sua forma e conteúdo, oferece suas chaves de leitura já nos primeiros minutos.
A história se repete, uma vez como tragédia e depois como farsa, já diziam no passado. E farsa aqui tem o significado que o dicionário lhe dá como obra de arte. Fato é que o que parece caminhar para um verdadeiro soco no estômago realmente nos atinge, mas com a forma de um carinho otimista diante do futuro que podemos ainda almejar.
Ao focar a história no cotidiano de uma família periférica, o filme não constrõi uma situação de miséria, mas sim de conflito constante marcado pelas relações sociais. Como a própria sinopse ainda diz, o garoto Deivid, caçula da família Martins, sonha em ser astrofísico e participar de uma missão que em 2030 irá colonizar Marte. Essa missão dá título ao filme.
Pouco importa e serve apenas de curiosidade que, durante a produção filme esse projeto tenha sido descontinuado pela NASA. A verdade é que esse é um símbolo. Retrata o sonho inalcansãvel de um garoto que vive em uma cidade periférica na periferia do mundo desenvolvido. Um retrato real de uma geração que passou por anos de melhoria de educação e de vida, mas que continua impossibilitada de realmente tocar as estrelas.
A sinopse continua, o pai da família é porteiro em um prédio de elite e há um bom tempo está sem beber, uma informação que compartilha com orgulho em sessões do Alcoólicos Anônimos. Tércia é a matriarca que depois um incidente envolvendo uma pegadinha de televisão acredita que está sofrendo de uma maldição. Por fim, a filha mais velha é Eunice que pretende se mudar para um apartamento com sua namorada mas não tem coragem de contar aos pais.
O tom multifacetado da narrativa certamente evocará nos estrangeiros uma certa noção de romance literário, mas fato é que os núcleos se dividem muito mais como uma novela. Bem tradicional da nossa memória afetiva e linguagem. E que bom que assim o é, pois é com essa familiaridade que nos permitimos relacionar com as vidas e anseios dessa família, que mostra que mais do que lutar – nesses tempos tão bélicos que vivemos – é amis valiosos sonhar e nunca desistir dos seus sonhos.
Título: Marte Um (Original)
Ano: 2022
Dirigido por Gabriel Martins
Duração: 115 minutos
Elenco: Cícero Lucas, Camilla Damião, Carlos Francisco, Rejane Faria, Robson Veira, Russo Apr, Tokinho