Crítica – Sol Alegria (2018)
Atenção: Este filme se destina a maiores de 18 anos.
Fazia tempo que não via um filme do porte de “Sol Alegria“. Não se trata de um filme para todos os gostos, e uma pena por isso, nem de todos os públicos, como logo ficará evidente. O filme abre prontamente com uma cena explícita de masturbação, repetindo um mote já visto em outros filmes do gênero que é mostrar a que veio logo em sua primeira cena. Não se pode dizer que ele te engana.
Os diretores Tavinho e Mariah Teixeira sabem que provocam e provocam com todas as forças. Bebem da pujança do cinema marginal em temática e linguagem, se valem da falta de recursos como estética e recriam impressões que aos mais versados vão fazer recordar o cinema de Sganzerla ou Bressane pelo tom militante e teórico. Ao mesmo tempo, trata sua narrativa com um ritmo literário, que dá sequência à longa tradição satírica que começou mesmo o Satyricon de Petrônio, maravilhosamente atualizado em temática e estilo.
Aqui, o exagero sexual não parte para um ode libertino, como fizeram os autores modernos, mas como um ideal clássico, libertador e por isso mesmo, ainda mais chocante. Não me levem a mal os herdeiros da subversão sadista ou da cafonisse de Bukowski, mas aqui há um cuidado com a dignidade.
Isso por que o filme é antes de tudo um ato político. Estão ali a nascente teocracia brasileira, o uso das forças armadas como ferramenta de opressão distópica, tudo perfeitamente ridicularizado e ressignificado pelo anarquismo e uma oposição à limpeza estética, tão significativa no nosso cinema desde a reabertura democrática. E com isso, consegue compor uma composição estética e uma fotografia soberbas. A narrativa é anárquica, e não faltam cenas de tabus como o incesto, uso de drogas, profanação de figuras sagradas.
Claro, isso já começa na trama, se é que posso dizer que há uma. Com o país governado por uma junta militar e boa parte dos pastores evangélicos anunciando um apocalipse que se aproxima, uma família viaja para entregar armas a um grupo de militantes opositores formado por freiras que vivem da renda de uma plantação de maconha.
Não vai fazer sucesso aqui no país, não no país temporalmente preso no passado que vivemos nos últimos anos. Mas vai marcar a história. Talvez, e apenas talvez, a estratégia do lançamento no exterior para só depois partir para a circulação interna tenha sido a melhor saída. Uma vez aplaudido nos festivais lá fora, quem sabe o filme não faça algum burburinho aqui dentro agora.
De todo modo, é impossível sair da sessão sem esboçar alguma reação e ser impactado pelo filme em maior ou menor grau. Seja da parte dos expectadores que, enrustidos em seu conservadorismo decidam esconder seu desejo sob a capa da moralidade forçada, seja por aqueles que encontram na potência da expressão artística a pulsão de vida que tanto anda fazendo falta por aqui.
Sol Alegria (Brasil – 2018)
Direção: Tavinho Teixeira, Mariah Teixeira
Roteiro: Tavinho Teixeira
Elenco: Mariah Teixeira, Jonas Medeiros, Mauro Soares, Tavinho Teixeira, Everaldo Pontes, Ney Matogrosso, Vera Valdez, Leonardo Mouramateus, Marcelo Caetano, Toreba Sagi
Duração: 90 min