Indicados ao Oscar de melhor filme – 2023 (Tudo, em todo lugar ao mesmo tempo)
Há algum tempo a Academia do Oscar vem buscando atualizar seus mecanismos de seleção a fim de retomar sua relevância no mundo cinematográfico, buscando para isso selecionar filmes com inegável qualidade técnica, mas que também possuam algum apelo popular. Essa mudança de postura fez com o longa “Tudo, em todo lugar, ao mesmo tempo” recebesse o maior número de indicações dessa edição, 11 no total incluindo melhor filme, direção, atriz, e duas para atriz coadjuvante, dentre outras) e mostra a tendência da Academia em sair de sua zona de conforto, que fez com que filmes questionáveis como “O discurso do rei” (2011) e “O Artista” (2012) recebessem seu principal prêmio.
O filme conta a história de Evelyn (Michelle Yeoh), uma mulher sobrecarregada pelo excesso de atribuições cotidianas e que tenta a todo custo equilibrar suas obrigações no gerenciamento da lavanderia da família, na educação de sua filha Joy (Stephanie Hsu) e na constante preocupação em conseguir o reconhecimento do próprio pai (James Hong).
É claro que com tantas atribuições e responsabilidades o casamento da protagonista com o passivo Waymond (Ke Huy Quan) torna-se a última de suas prioridades, já que seu cônjuge é visto por ela como um homem fraco e inseguro, tornando-se assim mais elemento a contribuir para o aumento de sua sobrecarga natural.
Mas a grande virada no filme ocorre quando a família vai à Receita Federal resolver uma pendência relacionada a uma alegação de fraude e ali, Evelyn tem seu primeiro contato com Waymond Alfa, uma versão forte e destemida de seu marido e que lhe apresenta as inúmeras possibilidades do Multiverso.
Com isso Evelyn recebe um dispositivo similar a um fone de ouvido que lhe permite acessar as habilidades e o conhecimento de suas versões em universos alternativos, o que inclui uma exímia chef de cozinha, uma agente de trânsito e como não poderia faltar em um bom filme de ação, uma mestre na arte do Kung-fu.
Uma estratégia interessante utilizada pela dupla de cineastas Daniel Scheinert e Daniel Kwan é imprimir um ritmo frenético à trama com personagens lutando o tempo todo, indo e vindo pelo multiverso, quando na verdade buscam tecer uma crítica ao nosso estilo de vida no qual somos expostos a doses diárias tão elevadas de informações (irrelevantes em sua maioria) que nos tornamos pessoas exaustas e estressadas, sem percebermos que nosso próprio comportamento cotidiano é que alimente toda essa exaustão.
O ritmo louco e sem filtro do filme brinda o público cenas que vão do cômico ao dramático passando pelo extremamente grotesco, como a tirada na qual Evelyn, durante uma luta lá pela metade do filme, precisa impedir que dois adversários literalmente “sentem” sobre a sua masculinidade para acessarem suas outras versões no multiverso. Sério, você precisa assistir essa cena!
O roteiro caprichado que delimita as linhas do caos cinematográfico que vemos no filme é sustentado pela grande atuação do elenco encabeçado pela ótima performance de Michelle Yeoh, que mostra que é muito mais que uma artista marcial, Ke Huy Quan, o marido de Evelyn que consegue, de forma brilhante, apresentar em uma mesma cena as personalidades completamente opostas de suas versões no multiverso, além de Jamie Lee Curtis, que com seu vasto repertório e ótimo timing cômico contribui de forma significativa com a proposta do filme.
Tudo em todo lugar ao mesmo tempo não é um filme para todos os gostos já que aborda uma quantidade significativa de temas de forma indireta e pouco convencional, o que pode ser interpretado por alguns como sinais de que o filme é confuso e não tem nada dizer. A verdade é que a ideia é justamente essa, usar uma linguagem abstrata para tratar de sobrecarga emocional, conflito de gerações e crítica social. Diversão sem compromisso no mais louco concorrente ao Oscar de melhor filme dos últimos anos, é disso que estamos falando meus amigos!