Críticas

Resenha | Placas Tectônicas, de Margaux Motin

Uma discussão muito válida sobre qual é o trabalho do artista sempre se reacende. Para uns, artista é aquele ou aquela que cria a partir da sua visão da realidade. Essa é uma visão mais tecnicista.

Para outros, o artista é aquele que expressa a si nas suas obras. Essa é uma visão superficial, que gera um certo dualismo. Por esta visão simplistas não poderíamos analisar a obra de Margaux Motin no ótimo “Placas Tectônicas” que está sendo relançado este mês aqui em terras tupiniquins.

Muitas vezes parecendo como uma espécie de autoterapia, o quadrinho tem muito a oferecer:
Primeiro, uma visão de mundo, na primeira camada. O começo mostra Margaux empacotando suas coisas após seu divórcio. Aqui, ao contrário de abordar essa fase com uma um momento ruim, a situação é apresentada de forma descontraída e com bom humor, ao mesmo tempo que a personagem protagonista justifica o término de seu casamento para os leitores. Embora os diálogos não se direcionem a nós, é claro, um recorte situacional nos aproxima da personagem. Aqui, mora a técnica narrativa.

A quarta parede está quebrada, mas há claramente uma conformação tácita entre personagem e leitores. Ela sabe que estamos vendo e é isso que ela quer.
Daí a visão de mundo, moderna e autoafirmativo, não apenas no texto – superficial – mas na forma. O que temos diante de nós é uma mulher sem tabus, que fala abertamente sobre sua vida, seus sentimentos e sexualidade. A ação é dramatizada como se Margaux estivesse num palco, há elementos de stand-up comedy e emulação de fotografias clicadas para criar dinamismo. A arte é bonita, leve e gentil. O acolhimento provém da criação a partir de poucos elementos desenhados ao seu redor para contrastar com o neutro da página.

É fácil encontrar paralelos com as sutilezas do cinema francês, e até mais nos filmes dos seus imitadores (Sim, falo de Woody Allen). Mas ter essa visão usada nos quadrinhos para falar de mulheres através da voz de uma mulher é um alívio. Longe dos quadrinhos hipernarrativos que hoje já tanto se engessaram, “Placas tectônicas” também evita o peso dessas referências mais “eruditas”. É um bom exemplo de uma perspectiva feminina. Novamente, a cumplicidade aqui é a regra. Ao abordar papel da mulher atualmente, o humor é espirituoso, sem deixar de ser cínico e sincero quando preciso. Numa leitura rápida, chego a dizer que qualquer pessoa, independentemente de gênero, pode se pegar dando umas boas risadas.

Mas para quem se aprofundar na linguagem perceberá que há muito mais a ser dito. E convenhamos, as pessoas não são mesmo assim? Neste momento de crises psicológicas na quarentena, com tantos problemas ao nosso redor. Vale a conferida.

Placas Tectônicas
Por Margoux Motin
Editora Nemo
2016