Resenha do livro Arrastados – Os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho
A mineira Daniela Arbex é reconhecida como uma das principais repórteres investigativas do país, não somente por saber narrar eventos relevantes, mas por conseguir fazê-lo de maneira tão envolvente e visceral que permitem ao leitor sentir-se inserido na história contada e até mesmo partilhar das emoções vivenciadas por cada personagem. Em “Arrastados”, seu mais recente livro com prefácio de Pedro Bial, a jornalista aborda com grande riqueza de detalhes os bastidores do rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro da mina Córrego do Feijão da Vale, em 25 de janeiro de 2019.
Os primeiros dois capítulos do livro dedicam-se a apresentar a movimentação dos trabalhadores da Vale, e de empresas terceirizadas, no interior da mina do Córrego do Feijão, nos momentos que antecederam a tragédia no município, em uma rotina que envolvia o manuseio de maquinário pesado, a revisão de medidas de segurança, além do transporte dos funcionários.
A partir da terceira parta do livro o leitor acompanha em tempo real, e sob perspectivas variadas, o momento no qual os funcionários da Vale e de empresas terceirizadas, além de moradores de Brumadinho e turistas, são apanhados de forma súbita pelo tsunami de lama que ceifou 270 vidas no maior desastre humanitário do país.
Grandes estruturas de metal, caminhões, trens, pás casas e árvores são arrastados ao serem alcançados pelo lamaçal e formam uma grande avalanche de entulho e lama que soterra ao longo de quilômetros todas as formas de vida encontradas pelo caminho. A aflição de alguns funcionários no interior de uma Hilux enquanto tentam encontrar lugar seguro para salvarem suas vidas pode ser sentida pelo leitor, que observa de forma impotente o veículo e todos os seus passageiros serem absorvidos pela imensa onda de lama.
A resposta do Corpo de Bombeiros ocorreu de forma quase imediata, como consequência do volume anormal de chamados de pessoas desesperadas que entraram em contato com o Cobom (Centro de Operações de Bombeiros) naquele 25 de janeiro, informando sobre o rompimento da barragem da Vale.
Após se recuperarem do impacto inicial causado pelos níveis colossais de caos e destruição no Córrego do Feijão os militares iniciaram uma corrida contra o tempo em busca de pessoas que pudessem ser resgatadas com vida. A grande dificuldade de acesso e deslocamento no local da tragédia provou ser um obstáculo imenso, mas não tão grande quanto a força de vontade dos bombeiros em realizar o seu trabalho e resgatar o maior número possível de sobreviventes e também de corpos, para que as famílias pudessem dar uma despedida digna a seus entes queridos.
Arrastados revela-se um livro forte e necessário na medida em que não limita-se apenas a acompanhar os trágicos eventos em Brumadinho, como também consegue mostrar que o rompimento da barragem não foi um lamentável acidente, mas sim o resultado de anos de omissões e descaso por parte da Vale, que fora alertada em várias oportunidades sobre a instabilidade da barragem de rejeitos, e mesmo assim privilegiou o lucro dos acionistas em detrimento de centenas de vidas humanas.
Seria possível prever que tragédias desse porte, com tantas perdas irreparáveis, não irão ocorrer novamente no Brasil? Será que a comoção gerada pelas inúmeras vidas perdidas e pela destruição de um município serão suficientes para impedir que essa história venha a se repetir? Não podem ser encontradas respostas fáceis a essas perguntas, mas lançar luz sobre esses fatos pode ser o caminho necessário para impedir que vidas continuem sendo soterradas pela ganância desenfreada, sob pena de não estarmos mais seguros em nenhum lugar desse país.