Quadrinhos

Todo o brilho esmeralda da Mulher-Hulk

Sente-se, contemple e leia, porque um passarinho verde irá lhe contar a trajetória da mulher mais forte e barra pesada do universo Marvel Comics, a Mulher-Hulk.

Nos quadrinhos, no cinema e nos seriados não é de hoje que vemos reformulações de sexo, cor, etnia dos personagens, um fenômeno artístico que ficou mais em evidência devido à grande visibilidade dos veículos de comunicação. Entretanto, em uma época de pouca visualidade, simples leitura e difícil engajamento feminino, ela carregou o manto de um personagem carro-chefe da Marvel, entrou para o time de frente dos Vingadores e ganhou seu próprio gibi e graphic novel, se tornando uma das heroínas mais amadas e icônicas dos quadrinhos. Estou falando da advogada de direito Jennifer Walters, a Sensacional Mulher-Hulk. 

Jennifer Walters estreou em seu próprio quadrinho em 1980, Savage She-Hulk. Advogada e prima de Bruce Banner, o cientista que se transforma na fera O Incrível Hulk, ela foi procurada por ele em um momento difícil em sua carreira, quando precisou ser defendido judicialmente. Jennifer não pode pegar o caso – a bacharela tinha seus próprios problemas pessoais de uma recém-formada lidando com magnatas do crime nas cortes de Nova York. Em decorrência do perigo do processo que advogava, Jennifer foi alvo de um complô que terminou alvejando-a mortalmente, quando Bruce Banner, em socorro da prima, não viu alternativa senão ele mesmo improvisar uma transfusão de seu sangue contaminado por hiper-radiação gama para ela.

Com a corrente sanguínea contaminada por radiação e sob as mesmas condições metamórficas do primo, ao se estressar ou sentir raiva, os níveis de adrenalina no sangue e no sistema nervoso da advogada acionam as partículas gama na imunidade de Jennifer Walters, de sorte que a pele se altera para uma melanina verde e seu sistema muscular atinge seu mais alto grau de perfeição do corpo feminino. Surge então a She-Hulk, com uma força avassaladora e que reúne em si todos os impulsos primitivos violentos do sexo feminino com o descomunal feito da radiação atômica.

Jennifer Walters em sua 1ª aparição por Stan Lee e John Buscema, em 16 de junho de 1980, ainda sob moldes da moda dos anos 1970.
A fera que há dentro da fêmea humana 
Capa de Jeff Dekal para a revista “Hulk vol. 4” da Marvel Legacy (2016). Roteiro de Mariko Tamaki e desenhos de Nico Leon.

Apesar de inicialmente a Mulher-Hulk ser bem mais selvagem do que o próprio Hulk (já imaginou isso?), com o tempo e com a ajuda dos instintos femininos, aprendeu a controlar seu temperamento e diferente – além de bem antes – de seu primo, Jennifer conseguiu controlar sua transformação, permanecendo com a mesma racionalidade. Por se sentir mais confortável com seus poderes e gostar de sua nova condição do corpo em forma, ela se tornou mais confiante e assertiva em suas decisões, passando a enfrentar o crime com seus novos poderes de modo deliberado, lúcido e estratégico.

Esse diferencial da sua contraparte masculina, o Incrível Hulk, foi lhe distanciando da sombra do primo, irracional, descontrolado, selvático e nada tático. Tanto os leitores quanto os bandidos da ficção foram gestando uma admiração e um temor genuíno pela super-heroína, que passava a esboçar uma carreira desvinculada do Hulk. Nessa linha de raciocínio, diferente da maioria das heroínas, a nossa Gladiadora Esmeralda foi galgando a sua própria galeria de vilões, dentre eles Dr. Zapper, Rastro, Radius, Torque, Lorde Terra, Titânia e o Anulador. Contra esse último ela teve que se unir a Ben Grimm, o Coisa, do Quarteto Fantástico, para detê-lo, o que uniu os laços de amizade entre os dois.

É certo que o advogado mais famoso dos quadrinhos é Matthew Murdock, o Demolidor, porém dentro dos gibis as coisas mudam de figura, pois é a Jennifer Walters que os denominados super-heróis chamam quando necessitam de ajuda nos tribunais: ela já defendeu inúmeros personagens como Capitão América, Estrela Polar, Fanático, Starfox.

Mulher com “M” maiúsculo, de “Sensacional” a “Fantástica”

A convite da Vespa, a Verdona passa a integrar os Vingadores, provando seu valor diversas vezes, ajudando a equipe contra os Mestres do Terror e outros, ganhando a confiança e a amizade de Vespa e da Feiticeira Escarlate, e apesar de inicialmente não se dar bem com o Gavião Arqueiro, logo os dois viriam a se tornar bons amigos.

Na maxissaga Guerras Secretas (1984), ela foi uma das heroínas raptadas por Beyonder para o planeta Retalho e sozinha enfrentou toda a Gangue da Demolição. Esse feito pródigo fez a linha editorial da Marvel repensar o lugar da Gigante Verde em superequipes, havendo aí, em meados dos anos 1980, uma das principais mudanças da editora da saga, pois She-Hulk se despede dos Vingadores e passa a integrar o Quarteto Fantástico no lugar do Coisa, que decide passar um tempo isolado no planeta Retalho.

Durante sua participação no Quarteto Fantástico, na aclamada fase de John Byrne, Jennifer começou um relacionamento com Wyatt Wingfoot, um ex-aliado do grupo, depois foi presa, isolada, torturada por uma divisão da SHIELD, que a via como uma potencial traidora, enfrentou o Homem Psíquico e ficou presa na forma de Mulher-Hulk, sem motivos aparentes, para não reverter a Jennifer, sua forma mais frágil. Quando o Coisa retorna para o Quarteto Fantástico, Jennifer, já liberta, se sente deslocada e volta a atuar nos Vingadores.

Jennifer Walters e Wyatt Wingfoot: relacionamento conturbado que custou a paz da heroína.
O que nos torna fortes são nossas fraquezas
O traumático episódio de amigos contra amigos: a Mulher-Hulk, controlada por Feiticeira Escarlate, retalha ao meio Visão.

Em Vingadores A Queda, She-Hulk foi influenciada pela Feiticeira Escarlate e destruiu o corpo do androide Visão, além de lutar contra seus colegas de Vingadores. Em Guerra Civil defendeu Speedball e foi a favor da lei de registro no time do Homem de Ferro.

Após ter seus poderes momentaneamente bloqueados por Tony Stark, ela recebeu o convite de Reed Richards, o Senhor Fantástico do Quarteto Fantástico, para se tornar diretora, por um curto período de tempo, da Fundação Futuro. E no retorno do Quarteto Fantástico ela foi sua advogada oficial para defender o grupo contra diversas acusações, podendo aí redimir-se de seus erros. Atualmente, a Mulher-Hulk havia se unido aos Poderosos Vingadores, um grupo formado por Luke Cage e o grupo feminino A-Force.

A Gigante Esmeralda conseguiu, em pouco mais 30 anos, se firmar como um ícone feminino heróico que sobrepujou a sombra de seu personagem matriz, algo difícil em décadas onde não se tinham leitoras femininas, onde a pop art era majoritariamente voltada ao público masculino e onde parceiros de heróis protagonistas quase nunca adquiriam autonomia.

Apesar do nome levar a marca “Hulk”, Jennifer se desvinculou totalmente do Gigante Esmeralda, trilhando seus próprios caminhos nos quadrinhos, de modo que ela é um dos poucos personagens hiperpoderosos que conseguem conciliar a fragilidade humana e a rotina de uma trabalhadora normal tentando pagar suas contas com os desvãos dos desafios que somente uma super-heroína é capaz de encarar, o imaginário por excelência de toda mulher.

A superequipe feminina A-Force liderada por Jennifer Walters. Consequências das Guerras Secretas-II (2015).

Wagner Ávlis

Crítico de histórias em quadrinhos, membro da Academia Maceioense de Letras, articulista e professor de língua portuguesa.