Resenha – Assombração, 2021
Vira e mexe, nos nichos de consumo de quadrinhos (e outras artes) brasileiras, a eterna guerra entre o mainstrain e o independente ganha capítulos e mais capítulos de completa inutilidade. De um lado, aqueles que apregoam que a arte nacional precisa prestar-se a algum sentido nobre, erudito e ser essencialmente brasileira. Do outro, os que admitem que qualquer coisa feita sem cuidado e técnica deveria ter o seu lugar (ainda que tenha mesmo). E por sorte, algumas vezes temos algo como “Assombração“, de José Amorim Neto e Lucas Moura.
Não tomem o último paragrafo de forma hiperbólica, nem considerem que este é o melhor quadrinho de ação e horror da história. Sequer é esta a pretensão da obra. A pretensão, se existe é de contar uma história, um pequeno conto que te entretenha. Mesma missão da obra anterior de Amorim, que já resenhei aqui e que demonstra da mesma forma muito do potencial narrativo do autor.
Temos aqui uma obra que bebe do noventismo, numa tradição que já dá as caras e logo deve explodir, sucedendo a paixão pelos anos 80 dos últimos anos. Há aqui a violẽncia estilizada, o macabro acidental, os tropos de magnatas do crime e os brutamontes permeando uma trama que não desacelera. Na história, dois assaltantes são contratados para roubar uma caveira de um antiquário, mas um deles descobre que aquele objeto carrega uma maldição e terá que lidar com as consequências disso.
Ainda que o texto mereça um cuidado especial e talvez a mão do editor, o roteiro em si é competente em nos apresentar a ação e os personagens, dosando bem as estruturas da história de forma a preencher todos os requisitos necessários para manter nossa atenção durante a leitura. Isso, aliado à visão narrativa que também é impressa pelo desenho, cria uma obra que em nada deve a muitos dos títulos estrangeiros de imensas tiragens. Certamente, inclusive, muito melhor do que a maior parte dos quadrinhos brasileiros que circulam hoje em dia.
Me escapa a citação e de qual manual de escrita, que uma obra até pode ser engajada, mas apenas depois que te convence a se engajar com ela. Aqui, em “Assombração”, temos uma narrativa certamente engajada, mas engajada com o desejo de se fazer quadrinhos. E isso se sente, em especial nos momentos finais, onde a obra não se preocupa em entregar o final que se espera, em manter ou subverter o que quer que seja, mas sim apenas em colocar um sorriso de canto de boca no leitor, sabendo que valeu a pena.
É realmente uma pena que as editoras tradicionais não estejam olhando para os talentos que temos aqui, capazes de tais feitos narrativos e que não recebem a distribuição que merecem. Mais pena ainda, que poucos leitores descubram essas joias, fazendo pressão nessas já ditas grandes editoras, ou financiando as pequenas.
Assombração
Mirage, 2021
Roteiro: José Amorim Neto
Desenhos: Lucas Moura
Revisão: Sulkah
Edição: Miro Vaz