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Crítica | Sweet Tooth – 1 temporada, 2021

Adaptar um quadrinho é uma tarefa que pode ser bastante complexa. Digo isso em especial quando trata-se de adaptações de histórias que tem em sua representação artística muito significado. Diante de uma obra potente, narrativa e esteticamente, um produtor tem três caminhos: ignorar as incapacidades técnicas de emulação, construir um pastiche risível ou partir para a reinterpretação absoluta. Este último caminho é o caso de Sweet Tooth. Na HQ, os traços de Lemire são bastante crus e propositalmente grotescos, isso para evidenciar como aquele mundo pós-apocalíptico é assustador e bizarro. A série toma outro caminho, tranformando o grotesco em fantástico sem perder a essência que caracteriza a maturidade da obra.

Na trama, acompanhamos uma série de personagens cujas trajetórias se misturam em maior ou menor grau com o personagem Gus, um menino hibrído de humano e cervo que, depois de viver toda sua vida escondido em uma cabana com seu pai, precisa enfrentar o mundo em uma busca pessoal. O problema é que o mundo inteiro parece odiar Gus e outros como ele, já que relacionam o surgimento das “crianças-bichos” com uma epidemia mortal que dizimou a maior parte da humanidade.

Creio que foi Lovecraft que escreveu sobre o fantástico, dizendo ser necessária certa atmosfera inexplicável e empolgante, capaz de gerar no expectador o pavor de forças externas e desconhecidas. Nesse sentido, e seguindo a obra original a série é bastante competente, estabelecendo a ambientação e o mistério já nos primeiros minutos. Porém, aqui a série dá um passo na direção da suas própria individualidade, pegando pequenos traços de contos de fadas presentes no material base e elevando isso à condição de tom, com um narrador encantador e uma doçura expressas nas atuações que cativa.

Fato é que a fantasia, para ser eficiente precisa também de certa dose de ludicidade, expressa com seriedade e dignidade condizentes com o tema. E deve-se fazer um elogio à equipe de roteiristas, que compreende isso e mesmo trabalhando diversos temas e ganchos ao longo dos oito episódios, conseguem desenvolver a história de Gus e seus amigos de forma bastante concisa, oferencendo momentos tensos e amáveis que marcam e permanecem na memória.

Vale dizer ainda um ponto interessante que deve passar batido às principais críticas brasileiras. Claro que todos irão ressaltar a coragem da Netflix em adaptar uma trama que envolve a extinçao da humanidade em razão de um vírus desconhecido, mas lembre-se que os EUA estão agora pondo fim às restrições causadas pelo Covid-19, abanando a poeira desses tempos tenebrosos com uma série que não renega seu origem pessimista, nem celebra os que cairam na batalha, mas sim apostam na esperança de uma geração melhor e mais pura, que a despeito de serem ou não um milagre, encontram na união de uma nova família a força para seguir.

 

Título: Sweet Tooth
Netflix, 2021
Direção: Jim Mickle

Elenco: Christian Convery, Nonso Anozie,
Stefanie LaVie Owen, Adeel Akhtar