Críticas

CRÍTICA | A CONFERÊNCIA

Indigesto e profundamente bem filmado, “A Conferência”, drama alemão baseado nos documentos da cúpula nazista relembra os perigos que teimamos em esquecer e ignorar.

Antes de tudo, na trama simples e direta, acompanhamos os representantes do alto escalão do nazismo alemão se reúnem ao sudoeste de Berlim, no dia 20 de janeiro de 1942. O principal tema do encontro, que ficaria conhecido como Conferência de Wannsee, é a chamada “Solução Final da Questão Judaica”. Aos que não sabem do se trata, este foi o projeto de extermínio étnico que levou ao menos 6 milhões de pessoas à morte.

A estética importa

Desde o lançamento de “A Lista de Schindler”, em 1993, existe uma enorme discussão sobre o cuidado estético ao tratar do tema do holocausto. Na época, Steven Spielberg recebeu duras críticas por criar um filme belíssimo para retratar o horror com – ironicamente – leveza.

Não existe leveza alguma na extrema direita e, ainda que seja preciso certa habilidade estética e narrativa para contar essas histórias, é preciso que o peso esteja presente. Filmado praticamente em uma só locação, com intervalos de respiro em momentos estratégicos, “A Conferência” usa de planos bem realizados e de uma atuação brilhante para nos dar socos e mais socos no estômago.

É claro que este não é um filme recomendado a todos, nem recomendado para qualquer momento. Não há uma gota de sangue em tela, mas a sensação é de que ele escorre por todos os lados. No momento “mais leve” do filme, logo após uma fala sobre “humanizar os campos de concentração”, ocorre a decisão não apenas do uso do gás como método de assassinato, mas o uso de mão de obra judia para que os corpos fossem retirados e levados aos fornos.

Um filme nunca é apenas um filme

Como transposição de um documento histórico, habilmente adaptado o filme não deixa de explorar hipocrisias latentes na sociedade alemã da época, seja com as discussões sobre casamentos entre alemães e judeus, na participação de outras nações no extermínio e até mesmo na fachada de moralismo expresso por dirigentes egoístas, corruptos e mesmo aqueles que escondiam sua verdadeira natureza, como a alusão à homossexualidade oculta de dois oficiais.

Muito na técnica de filmagem remete ao clássico “Onze Homens e uma Sentença”, que surge na memória de novo como um contraponto. Enquanto no filme de tribunal, temos uma defesa entusiástica do bom direito e das garantias fundamentais dos direitos humanos. Por outro lado, em “A Conferência”, ainda que não se prive a fazer críticas, o filme de 2022 ainda utiliza todas as técnicas consagradas de contação de histórias no cinema para retratar o que houve de pior na humanidade. Não duvide que haja quem veja esse filme e encontre nele um espelho.

Por outro lado, talvez aí mesmo esteja também sua força, como um aviso constante de que aquela história passada não está enterrada. Os monstros eram todos humanos, tomando conhaque e comendo doces quanto decidiam sobre a morte de crianças e velhos, mulheres e deficientes. Contra essa monstruosidades que é preciso lutar todos os dias, individual e coletivamente.