Crítica | No Céu da Pátria Nesse Instante
Chega aos cinemas em 14 de agosto o documentário No Céu da Pátria Nesse Instante, dirigido por Sandra Kogut, que mergulha nas tensas e polarizadas eleições presidenciais de 2022 e nos eventos que se seguiram, culminando na invasão de prédios públicos em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
O longa é lançado apenas um mês depois de outro documentário com o mesmo tema. Quando do lançamento de “Apocalipse dos Trópicos”, comentei brevemente em minhas redes sociais que Petra Costa faz de novo o impensável, conseguindo registrar pessoas no alto do poder, como o pastor Silas Malafaia, cometendo atos que pensamos nunca ter registro direto, como quando o pastor aparece admitindo chantagear senadores. Declarei, na ocasião, que, longe de ser um primor de estilo, tratava-se de um documento sobre nosso tempo.
Já Kogut, ao contrário de procurar por essas narrativas contundentes ou revelações bombásticas, adota um olhar contemplativo e observador. Sua câmera acompanha de perto cidadãos comuns — e não as figuras centrais da disputa —, e por isso é capaz de construir mosaicos de vozes que revelam as múltiplas camadas de um país dividido.

A câmera que diz em silêncio
Entre os retratados estão um caminhoneiro do Paraná, um vendedor de toalhas com rostos de Lula e Bolsonaro, uma jovem que atua em campanhas no Rio de Janeiro, uma funcionária da Justiça Eleitoral no Pará e, como exceção mais conhecida, Antonia Pellegrino, esposa de Marcelo Freixo.
A cineasta assume desde o início seu posicionamento, o que demarca também seu estilo. O olhar voltado para a base da sociedade, mas ciente de sua posição intelectual, é marca do bom cinema brasileiro. Aqui, tanto cineasta como expectadores estão menos em posição de firmar convicções, e mais na de ouvir aqueles que tem algo a dizer — e mesmo o silenciar, sobretudo do espectro político mais à direita à medida que o jogo político vira com a eleição de Lula em 2022. Não há segredo sobre isso, já que a fala inicial do documentário é justamente uma recusa a participar do projeto, ao saber que Kogut seria “de esquerda”, associando isso a ser contra o Brasil.

Respirações profundas em meio ao caos
Com longos planos, sem cortes acelerados ou trilhas dramáticas, o documentário deixa as cenas “respirarem”, permitindo que silêncios e expressões falem tanto quanto as palavras. Essa escolha dá ao espectador a sensação de estar presente nos bastidores da campanha, nos comícios, nas ruas e nos momentos de espera.
Mais do que registrar a disputa eleitoral, No Céu da Pátria Nesse Instante também se dedica às suas repercussões: das operações da PRF no segundo turno à cobertura da invasão de 8 de janeiro, com imagens de dentro dos prédios e do acampamento em Brasília. O clima de medo, presente em episódios como a proibição de filmar em uma escola eleitoral controlada por milícias no Rio, atravessa toda a narrativa. O resultado é um retrato sóbrio e humano de um momento em que o Brasil parecia dividido em universos paralelos. Na cena final, o caminhoneiro paranaense resume o espírito do filme ao dizer que ele e a diretora vivem realidades distintas.
E então o documentário termina. Sem espetáculo, sem simplificações, e sem respostas fáceis. Em lugar disso, “No Céu da Pátria Nesse Instante” se consolida como um registro sensível e direto da disputa democrática mais tensa da história recente do país — aquela em que a própria democracia foi colocada em risco. E não apenas se tornou um importante documento de nosso tempo, mas também cumpre um papel fundamental da arte, nos mostrando como devemos viver este mesmo tempo.