Entrevista

Entrevista | Lina Chamie – Diretora do documentário Kobra

Eduardo Kobra é, um dos muralista de de maior projeção no mundo. Suas obras estão espalhadas por todo o mundo como por exemplo Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia, Grécia, Itália, Suécia e Polônia, entre outros. Isso, é claro, no Brasil.

A cineasta Lina Chamie dirige e roteriza o doc Kobra – Autoretrato, no qual o próprio Kobra conta um pouco da sua origem, das suas provações e sonhos deste homem que a tantos encanta e mostra o seu olhar bastante pessoal para suas produções.

O Nerd Tatuado realizou um entrevista com a diretora, tratando sobre o filme e também sobre a arte do muralista. Veja a seguir:

 

Nerd Tatuado: Em dado momento, quando Kobra fala de seu pai como um enorme senso artístico no trabalho de tapeçaria, temos essa sensação nítida de como a arte nos perpassa no dia a dia. Nesse aspecto, o trabalho do muralista é o trabalho de evidenciar como a arte está no meio das nossas vidas?

Lina Chamie: Sim, eu concordo, eu acho que a arte está no nosso dia a dia. Ela perpassa o nosso dia a dia. E quando o Kobra lembra do pai tapeceiro e ele criança acompanhando o pai nas visitas aos clientes e o pai fazia as capas dos sofás… restaurava os sofás e tinha um perfeccionismo, uma preocupação em alinhar em fazer o capitonet perfeito e o Kobra percebe o pai como um artista, embora o pai não soubesse.

Isso mostra muito claramente como as formas os padrões que o Kobra usa e que são bastante distintos na obra dele, que definem a obra dele, aqueles padrões de formas e cores no fundo e as vezes até na frente, nos rostos que ele pinta, esse jogo que ele faz e esses padrões tão marcantes  como isso vem desse menininho que olhava o pai trabalhando a origem disso está lá na infância dele e na vida vivida.

Então sim, a arte está no dia e a dia e o artista inevitavelmente, na sua obra, acaba tendo essas marcas que remetem a algo que o artista viveu. E ai eu concordo plenamente que o muralista, especificamente, quer dizer, alguém que tá pintando na rua, cuja arte está ao acesso de todos, é uma arte que invade os olhares dos outros, você está andando no seu dia a dia e vê um mural no seu cotidiano, o muralista acaba reproduzindo em um macrocosmos da cidade essa experiência de ter a arte no dia a dia e exposta a todos e quem sabe, transformando, nem que seja um pouquinho um olhar, uma passada que você está ali com pressa e vê um mural colorido. E aquilo te modifica um pouquinho, mexe um pouquinho com você essa já é uma experiência que ecoa essa lembrança bonita do menino Kobra vendo o pai trabalhar.

 

NT: Kobra diz, com enorme razão, que no princípio como pintor ele copiava os estilos de outros artistas. Ao longo do documentário, podemos ver como é a trajetória da nossa vida, nossas experiências e o meio que nos cerca que produz nossa individualidade. Qual o caminho a se seguir para encontrar sua expressão na arte?

Lina Chamie: O grande diretor Pedro Almodóvar tem uma frase que é ótima, ele diz assim: “ Não homenageie, copie.” Todos nós, em início de carreira ou às vezes carreira adentro, somos feitos de referências de artistas que a gente admira, isso sempre inspira e as vezes a gente vai em busca daquele tipo de expressão que é um norte para você. E ao longo da carreira é natural que a gente vá encontrando uma voz própria.

E sim, essa voz própria tem a ver  com as questões que são importantes para nós, que a gente quer expressar através do nosso trabalho da nossa arte  e isso vai ganhando uma forma própria, autônoma que a gente v ai encontrando um caminho, uma maneira de fazer que é nossa. Mas eu acho que sempre vem das referências  que a gente tem, dos artistas que a gente admira. Essa relação, esse diálogo, ele é bom. Eu acho que ele é vigoroso, ele trás vida para os nossos gestos. Essa ideia de olhar o trabalho dos outros e se inspirar sempre na busca do seu trabalho, da sua linha, da sua estética, do seu discurso, das questões que vibram para você e conseguir expressá-las. Acho que isso é muito comum na trajetória dos artistas e o Kobra tem muita clareza em relação a essa maturidade que ele vai ganhando e de onde veio, quais eram as influências e qual é o trabalho dele no momento. Enfim, com tudo que ele quer dizer com o trabalho dele.

 

NT: Muitas vezes vemos artistas ganharem renome internacional, vitórias em prêmios e prestígio ao mesmo tempo que seguem relativamente desconhecidos no Brasil. Isso acontece em várias artes. Qual a importância das cine biografias nesse sentido? Se não pelo alcance do público, como registro histórico?

Lina Chamie: Acho que é muito legal poder fazer um filme sobre um artista brasileiro. Poder olhar para os nossos artistas e dar a importância que eles tem é sempre muito bom falar da nossa própria identidade, então, nesse sentido eu vejo o “Kobra: Autorretrato” como um filme que me trás uma grande responsabilidade inclusive, por que o artista tá aí, o Kobra tá aí, vivo e atuante, então contar a história dele é uma coisa que tem que ser feita com muita integridade com muita verdade e é uma tarefa boa trazer para o grande público para outras pessoas a história de um artista ainda mais um artista com essa história esse garoto que vem da periferia  e que conquista o mundo. Então é uma história também.

 

NT: Passamos há pouco no Brasil por um processo de desvalorização da arte de rua, com enormes painéis sendo apagados em São Paulo. Por outro lado, há movimentos sempre presentes de valorização com investimento público em muitas cidades no Brasil. Ainda assim, há toda uma polêmica ainda presente na sociedade que não aceita esse tipo de arte. Estamos avançando?

Lina Chamie: A arte de rua é, por natureza efêmera. É arte o que está na rua, exposta a tudo, ao sol, à chuva, às pessoas. Mas é interessante pensar em preservar e o filme trás essa questão através do pensamento do Kobra. Ele diz que no inicio da carreira apagavam e ele ia lá e pintava de novo. Já mais maduro ele percebe que é arte também o que está na rua. Como seria se a gente apagasse as obras que estão no museu? Nesse momento ele reflete que tudo é arte, pode star em uma galeria ou na rua. Há maneiras de preservar, pensar em recursos, verniz, iluminação e proteção. Mas ainda está na rua e tem algo especial de estar na rua, que é acessibilidade, de estar lá para todos. Talvez seja a arte mais democrática de todas.

E essa questão transcende até mesmo o próprio artista, e vai pra uma questão maior que é a opinião pública. Alguns gostam, outros não. Você pode gostar mais de um muralista e não de outro. O Kobra hoje pensa que a gente deve preservar, e eu tendo a ir nessa linha, eu acho que a gente deveria preservar temos artistas que são muito importantes e que foram muito relevantes. Enfim, é uma questão bem complexa, cheia de vieses e a se pensar.