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Resenha | O Chalé no Fim do Mundo

Antes deste ano, a principal motivação para que alguém decidisse ler “Um Chalé no Fim do Mundo” seria o fato do livro ter ganhado o Bram Stoker Awards 2018, reconhecida como a maior premiação literária do gênero terror/suspense.

Agora, com a adaptação do filme para o cinema pelo diretor M. Night Shyamalan (Sinais, O Sexto Sentido), o público geral toma contato com esta história e pode se interessar pelo livro também.

Terror sutil

Há certas obras de terror que apelam para o gore gratuito. É uma possibilidade narrativa que possui riscos, pois não oferece muitos caminhos para o desenvolvimento de boas ideias. Por outro lado, há obras que postam em atmofesra e sutileza, o que costuma encher nossos olhos, mas esconde outros riscos.

Um livro pautado em uma atmosfera de suspense pode perder o fator impacto, deixando o público à espera de um climax que pode nunca vir. Para contornar isso, Paul Tremblay toma algumas decisões. A mais óbvia é colocar em cena uma criança como uma das principais personagens da história. Todos nos preocupamos com a segurança de uma criança. A segunda, é tornar a narrativa sempre nebulosa, mesmo quando os fatos já estão colocados na mesa. Por isso, para muitos, pode parecer um livro estranho.

Não que essa estrenheza tire a vontade de ler o livro, assumo que muitos leitores vão acabar julgando que este é um bom livro. É uma obra curta, um pouco menos de 250 páginas, mas com uma atmosfera tão carregada que a leitura parece ser bem mais longa.

A trama

Começamos conhecendo Wen, filha adotiva do casal Andrew e Eric, que alugou uma cabana de férias em um lago nas profundezas de New Hampshire. Não há vizinhos, nem nem sinal de celular. Tudo que se precisa para se desligar da vida em sociedade.

E então, um dia, Leonard chega vagando pelo quintal. É um homem que rompe esteriótipos, enorme como um sfisiculturista, mas é educado, gentil e está vestido com jeans e uma camisa branca. Ele ajuda Wen a pegar gafanhotos e diz que precisa conversar com os pais dela sobre algo muito importante. Ele precisa fazer isso agora. E seus amigos também.

Seus amigos são Redmond, Sabrina e Adriane. Eles chegam juntos, caminhando até a casa com o mesmo estilo de roupa – jeans, camisas de botão de cores variadas – e portando armas. Armas horríveis, marteladas, de estilo medieval, feitas de ferramentas de jardim e varas compridas. Eles forçam a entrada na casa, amarram Eric e Andrew, pedem desculpas pela bagunça e por assustar a todos, e então apresentam sua proposta simples: O mundo está chegando ao fim. Todos receberam uma visão disso e também receberam a informação de como impedir o fim de tudo, salvando milhões de vidas. Apenas um terrível sacrifício feito por Andrew, Eric e Wen pode impedir isso.

Uma obra queer?

A pergunta acima é uma pergunta tola. Também será tolo procurar, depois que este texto colocar a pulga em suas orelhas, se o autor da obra faz parte da comunidade LGBT+. Aliás, tão tolo quanto é pensar que o fato de se ruma obra que possui representatividade significa que seja uma obra engajada.

Mas, considerando todas as possíbilidades de análise que essa obra no permite, algumas coisas não me escapam à visão. Não temos apenas como protagonistas, uma familia composta por um casal gay e uma criança adotada, mas também antagonistas que, sejamos sinceros, parecem com qualquer grupo religioso missionário que te venha à mente.

Pense em Mórmons, Testemunhas de Jeová, ou grupos cristãos engajados, do tipo que batem de porta em porta nos domingos ou distribuem panfletos em praças da sua cidade.

O antagonismo é imagético, jogando com nossa memória de como esses dois grupos foram antagonistas ao longo da história. E ainda cabe a natureza do pedido, os vilões querem que essa familia – considerada fora do padrão em sociedades conservadoras – se sacrifique em razão de todo o resto do mundo. Me parece meio óbvio o que está em jogo aqui, como uma metáfora do egoísmo de muitos contra a paz e a felicidade de poucos.

E digo isso pois comecei esta resenha falando sobre horror. Dadas as proporções, perceber do que se trata o livro nos faz pensar em o quão longe estamos disso no mundo real. Ou não estamos? Não é como se algum grupo no mundo real estivesse se reunindo e decidindo comprar armas e usar camisas combinando para fazer algo assustador assim, não é?