RESENHA | SABOROSO CADÁVER – AGUSTINA BAZTERRICA
Antes de tudo, “Saboroso Cadáver” vai além da superfície do horror ao mesclar distopia ao tema complexo e assustador do canibalismo, refinando através disso uma reflexão sobre política e normalização da cultura. Por seus temas complexos, trata-se de um livro pesado e que, é preciso dizer, possui alguns gatilhos. Não recomendo pra pessoas sensível e de estômago fraco. No original, “Cadáver exquisito“ é um livro escrito pela autora de Buenos Aires, Agustina Bazterrica, vencedor do Clarín Novel Award em 2017.
Você não poderia apenas para de comer carne?
Na trama, o mundo muda completamente quando surge um vírus letal que ataca os animais de forma irreversível. Dessa forma, em um mundo sem animais, os governos enfrentam a situação com uma decisão drástica: legalizar a criação, reprodução, abate e processamento de carne humana.
O canibalismo é lei e a sociedade foi dividida em dois grupos: os que comem e os que são comidos.
Marcos Tejo, gerente geral do frigorífico Krieg, é um burocrata sombrio. No dia em que recebe de presente uma mulher criada para o consumo, as tentações o transformam em uma consciência perigosa com dobras truculentas que o levarão a transgredir as regras até os limites que a sociedade ignora.
A ficção já lidou várias vezes com o tema do canibal. Desde as antigas representações esteriótipadas da antropofagia indígena, até as grandes histórias de serial killers, como Hannibal ou o real Dahmer (Veja a crítica)
O romance de Bazterrica vai em outra direção. Por um lado, faz jus à tradição da literatura latino-americana, com um pessimismo sensível a respeito da sociedade. Pudera, visto que é aqui nas nossas terras que aceitamos um sem fim de normalizações de absurdos para nosso próprio povo. Há também um leve tom de crítica histórica, visto nossa relação enquanto continente com a exploração de corpos de outros seres humanos.
No entanto, de novo, como é da nossa tradição, isso tudo está em detalhes. O grande mote é mesmo o de como somos capazes de normalizar as meiores barbaridades. Do ponto de vista de comparações, há muito aqui que me lembrou de “Planeta dos Macacos”, mas muito mais cínico ao abandonar as metáforas do que nós podemos ser e focar no que já somos.
Vale a pena?
Com um final que temrina de forma abrupta e chocante, é díficil dizer se o fecho da história vai satisfazer a todos os leitores. Fica ao fim, mais do que uma história empolgante, um profundo olhar crítico sobre a humanidade. Passear pelo mundo distópico aqui apresentado nos faz pensar no livro como um espelho que revela nossos horrores. Vale a viagem, mas é uma experiência sem meios termos. Haverá quem irá sair profundamente impactado, e quem saírá decepcionado. O importante, no fim, é não ignorar os monstros. Isso sim seria um grande erro.