Críticas

Com Nicolas Cage, “O Homem dos Sonhos” é sobre zebras e redes sociais

Assistindo as dezenas de produções – muitas de caráter duvidoso – protagonizadas por Nicolas Cage nos últimos anos, uma convicção que fica clara é a versatilidade do ator. Cage já foi herói de ação, fez papéis dramáticos ousados e protagonizou muitas bombas, o que criou ressalvas com seu treabalho. Não é o caso de “O Homem dos Sonhos“. Há aqui pretensões artisticas que são alcançadas.

O filme é uma sátira de realismo fantástico sobre o espaço inseguro das redes sociais, sobre a facilidade em se viralizar nas redes e sobre a cultura do cancelamento. É ambicioso ao falar desses temas e, mesmo que se arrisque a escorregar em alguns pontos, é profundamente feliz em equilibrar seu drama, comédia e horror num crescente sofisticado da narrativa.

Sobre zebras e o perigo de se destacar

Cage interpreta o professor Paul Matthews, um acadêmico com uma carreira decente, mas nada emocionante, que leciona biologia em uma prestigiosa universidade. Basicamente um perfeito cara chato, personificado por uma careca e óculos, habitualmente vestindo um casaco com gola felpuda. Já nos primeiros instantes do filme, descobrimos que ele está frustrado com a falta de publicações e pela estagnação de sua carreira. Enquanto isso, uma ex-colega se tornou um grande sucesso com ideias muito semelhantes às dele, gerando acusações de plágio do protagonista, enquanto um colega da faculdade é um caso de sucesso que oferece jantares elegantes para os quais Paul e sua esposa Janet (Julianne Nicholson) nunca são convidados.

Enquanto isso, o filme vais nos pincelando ideias. Em sua primeira aula que nos é mostrada no filme, Paul fala aos alunos sobre zebras e como a seleção natural produziu suas listras. O personagem explica que as listras não são eficientes para camuflarem seus corpos junto ao ambiente e como os animais evoluem para evitar o perigo mortal de se destacarem do rebanho. “O leão não pode atacar o rebanho inteiro” – Ele diz.

A metáfora é finalmente construída quando o protagonista passa a aparecer em sonhos de pessoas aos redor do mundo, conhecidas ou não, en geral de forma passiva, gerando um buzz que claramente se conecta à noção de viralização nas redes sociais. A ironia posta é que mesmo que conheça bem os perigos de se destacar – e passe todo o filme dizendo que gosta de ser reservado – Paul e sua família estão imersos no jogo criado pelo desejo pela fama.

Sejamos honestos, falamos aqui de algo aspirado – ou sonhado – por todos: o estrelato democratizado e acessível que pode acontecer a qualquer um, apesar ou de alguma forma por causa de sua falta de realização. Esse tipo de fama pode ser alquimizada da banalidade, uma fama produzida e consumida em smartphones e capaz de entrar na cabeça das pessoas porque elas podem imaginar, na verdade querem imaginar, a mesma coisa acontecendo com elas.

O roteirista e diretor aqui é o cineasta norueguês Kristoffer Borgli, com um longo interesse em satirizar o narcisismo e a fome das celebridades e que elabora um cenário ideal  a se desenrolar em “O homem dos sonhos”, um filme perspicaz que explora a peculiar jornada da fama, destacando sua autoconsciência e alienação. Aqui, de forma bem calculada a noção de ser celebridade exibe uma cautela e surpresa dissimuladas diante de sua própria notoriedade, evocando uma sensação estranha que ressoa comum a todos nós, como quando nos deparamos com alguém que apareceu em nossos sonhos na noite anterior.

No fim, o alerta nunca é suficiente como viver o próprio drama e seguiremos ansiando – e sonhando – com uma fama que parece apenas nos tornar alvos.